terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A Amizade é Mais Que o Amor!


É sempre muito difícil comentar de uma forma nova um assunto que já conhecemos. Temos uma forte tendência conservadora, que nos leva a rejeitar, pelo menos num primeiro instante, qualquer ideia que não esteja de acordo com o que já sabemos.
Vou falar de amor e, então, parece mais difícil ainda que as pessoas consigam ver seus aspectos menos simpáticos. O amor corresponde a uma busca de completude. Todos nós, desde o início da vida, temos a sensação de sermos incompletos. Parece que só nos sentimos inteiros e em paz quando estamos com o nosso eleito. Assim, é óbvio que nosso primeiro amor é nossa mãe, e todos os outros objectos de amor que venhamos a ter ao longo das nossas vidas serão substitutos dela. As crianças são extremamente dependentes de suas mães, com as quais têm a sensação de estarem fundidas. Sentem-se inseguras quando estão longe delas e vivem atormentadas pelo pesadelo de que ela poderá abandoná-las ou morrer. Quando reflectimos sobre as relações amorosas entre adultos, percebemos que o modo como se unem é muito semelhante ao sentimento que liga uma criança à sua mãe. A grande verdade é que os ingredientes negativos relacionados ao ciúme também se manifestam de uma forma muito intensa. É por causa disso que costumamos perceber o amor como um sentimento que acaba por se opor de modo mais ou menos definitivo aos desejos de individualidade. O amor adulto é uma cópia do que se passa na infância. O discurso é mais racional, mas as reacções são idênticas às das crianças. Os casais apaixonados tratam-se por diminutivos infantis e gostam de receber carinhos infantis também. Esses pequenos pormenores não seriam importantes se não viessem acompanhados de noção de que aqueles que se amam têm direitos sobre seus amados. A mãe acha-se com direitos sobre seus filhos e isso, até uma certa idade, faz sentido. Agora, que o marido possa dizer à esposa se ela pode ou não usar determinada roupa, ir ou não a um dado lugar, é uma ofensa aos direitos individuais.
O outro tipo de relacionamento íntimo que vivenciamos é o da amizade. Aqui, o prazer da companhia é tão importante quanto o que existe nas relações chamadas amorosas. A confiança recíproca e a cumplicidade costumam ser até maiores do que as alianças encontradas entre os que se amam. Somos mais respeitosos e menos dependentes de nossos amigos.
Qual a conclusão? Para mim, fica claro que o amor é um processo infantil que costuma se perpetuar ao longo da nossa vida adulta. A amizade é um tipo de aliança muito mais sofisticada porque não busca a fusão e sim a aproximação de duas criaturas que tenham importantes afinidades e interesses em comum. Nossa parte adulta estabelece vínculos respeitosos e ricos em intimidade, que correspondem à amizade. Nossa parte infantil tende a estabelecer um elo único com outra pessoa, em relação à qual passamos a ter expectativas similares àquelas que tínhamos de nossa mãe. Não tenho dúvidas a respeito: A amizade é um processo muito mais adulto do que aquele a que chamamos amor...

Flávio Gikovate, médico psiquiatra, psicoterapeuta e escritor. Autor de vinte livros, entre eles, “Ensaios sobre o Amor e a Solidão” e “A Liberdade Possível”.

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