quinta-feira, 18 de julho de 2013

As palavras vestiram-se de azul-castanho

As palavras vestiram-se de azul-castanho e empurraram as
vidraças, onde eu me me encostava, conversando com a lua. Era contundente e autoritário o rumor das sílabas, inquietante o movimento das vogais, cáustico o sibilar das consontes. A torrente de queixumes rebentou o frágil dique de silêncio que pairava, constrangedor. Discorreram longamente sobre os cansaços, o desgaste, a deturpação, o esvaziamento, a vaguidade e a leviandade com que andam a ser tratadas. Querem ser poupadas, respeitadas, ouvidas. Sobretudo querem que lhes seja restituída a dignidade. Estão saturadas da inutilidade com que as usam em frases de grandes efeitos e nulas de conteúdo. Não querem ser mostradas do avesso e exigem que lhes sejam devolvidas as raízes que lhes dão identidade. Não querem ser escritas nem pronunciadas em vão. Querem voltar a ser poesia e prosa de origens genuínas. E ser obedecidas nas regras que impõem. Não pensei que as palavras vertessem lágrimas, tão-só que as descrevessem. Mas no reflexo das vidraças onde dançava a lua, gotas redondas, brilhantes como cristais, escorriam como chuva suave em noite de verão. Uma onda de arrependimento, de pudor e de remorso sufocou-me todos os argumentos, todas as respostas. Prometi que as votaria a um limbo protector e que as deixaria serenar em páginas vazias e nuas. Libertei-as num voo nocturno e apaziguador, e elas formaram círculos que traduziam sorrisos gratos. Seguiram um rumo desconhecido, desenhando elegantes e complexos arabescos na noite escura. Nunca as amei tanto como nesse momento… e a sua ausência é saudade macia em que me deito e adormeço…

Rita Pais 

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